terça-feira, 10 de agosto de 2010

O infiel na política

A fidelidade devia ser facultativa, dizia Nelson Rodrigues. A verdade é que os políticos levam isso muito a sério aqui no Paraná. É começar o processo eleitoral para que a infidelidade partidária também ganhe bom destaque.

Todo dia tem prefeito ou eputado declarando apoio a candidato de partido adversário.

Isso é péssimo para a democracia. Quase nenhum sentido se pode atribuir aos partidos sem que haja fidelidade aos princípios e aos programas e – é claro – às decisões construídas a partir de programas e princípios.

Mas parece que ninguém leva isso muito em consideração. As decisões dos partidos, nas convenções, são recebidas apenas como “conselhos”. Para serem seguidos; ou não. Aliás, ninguém sequer se preocupa muito com a convenção. Independentemente da decisão coletiva, depois cada um toma a sua, ao sabor da pessoal e circunstancial conveniência política.

Muita gente imagina que isso é coisa recente. Não é. Desde muito tempo que a coisa funciona mais ou menos do mesmo jeito. Derrotada por Paulo Pimentel (apoiado à época pelo Governador Ney Braga) na histórica convenção do PDC para a eleição de 1965, a parcela do partido que sustentava Afonso Camargo não aceitou o resultado e passou a apoiar o candidato adversário, Bento Munhoz da Rocha. A UDN deliberou pelo apoio a Pimentel, mas uma boa parte dos udenistas ficou com Bento Munhoz.

A infidelidade era tal que o PSD (esfacelado depois do segundo mandato de Lupion) chegou a indicar candidatos a vice-governador nas duas chapas (Plínio Costa para Pimentel; Rafael Rezende para Munhoz da Rocha). E trato aqui apenas de um exemplo, entre tantos.

A infidelidade é um fator corrosivo da legitimidade política dos partidos (da pouca legitimidade que sobrou, é mais adequado dizer). Apesar disso, é notável a indulgência dos próprios partidos no trato da infidelidade. Desde 2007 há instrumentos legais para punir o político infiel (inclusive com perda de mandato), mas quase ninguém se propõe a cobrar nada de político algum. Há uma tácita renúncia ao direito de exigir fidelidade. Um pacto silencioso de infiéis. E é também por isso – mas não só – que as disputam eleitorais transcorrem com escassa nitidez. Um pouco de cada partido para cada lado de forma que ninguém possa saber ao certo o que está acontecendo.

A promiscuidade partidária torna a disputa eleitoral uma mera corrida pessoal entre candidatos e seus programas de última hora. Os partidos são os coadjuvantes do processo. E parece que realmente não pretendem mais do que isso.
Por aqui a fidelidade é mesmo facultativa.

Luiz Fernando Pereira , colunista da Revista Ideias


Fonte: http://www.fabiocampana.com.br/2010/08/o-infiel-na-politica/

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